Regulamentos Relativos a Plásticos de Uso Único e Microplásticos
A indústria cosmética está a crescer, mas este crescimento vem acompanhado de uma grande preocupação: a poluição por plástico. A Comissão Europeia publicou a Diretiva (UE) 2019/904, conhecida como Diretiva de Plásticos de Utilização Única, relativa à redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente. À semelhança do que se passa na UE, e um pouco por todo o mundo, Portugal aprovou um decreto-lei que restringe os microplásticos em certos produtos que são disponibilizados no mercado.
Marta Pinto

Marta Pinto

Consultora Assuntos Regulamentares

PLÁSTICOS DE UTILIZAÇÃO ÚNICA E DIRETIVA (UE) 2019/904

Plásticos descartáveis ​​(sacos plásticos e microesferas) são uma causa considerável da poluição plástica marinha. Desde a década de 1970, os plásticos foram relatados como potencialmente prejudiciais para o ambiente marinho. Hoje em dia, a poluição marinha pelo plástico tornou-se uma preocupação ambiental significativa, não apenas para cientistas e organizações não governamentais, mas também para governos e público em geral.

De acordo com a ECHA (European Chemicals Agency), os microplásticos “são partículas muito pequenas de material plástico (normalmente menores que 5 mm e muitas vezes muito menores, incluindo nano plásticos)”. Estes podem ser formados não intencionalmente, pelo uso e desgaste de peças maiores de plástico, ou fabricados e adicionados de forma intencional aos produtos. Podemos encontrar partículas microplásticas nos mais diversos produtos disponíveis no mercado europeu, como cosméticos, detergentes, produtos de limpeza e tintas. Alguns plásticos contêm produtos químicos perigosos (por exemplo, bisfenol A, ftalatos) que podem ter um impacto negativo na natureza e na saúde humana. Micropérolas (microplásticos) são comumente usadas em cosméticos, como agentes esfoliantes, particularmente em produtos de limpeza facial, géis de banho e pastas de dente.

As microesferas não são biodegradáveis ​​e podem persistir por longos períodos de tempo no meio ambiente, podendo ser ingeridos por animais vivos no ambiente poluído. Não são tóxicas ou irritantes para os humanos, mas podem representar um perigo para a saúde humana devido à sua bioacumulação em organismos marinhos que são consumidos pelas pessoas.

Em resposta a este problema global, a União Europeia publicou a Diretiva (UE) 2019/904 (relativa à redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente), comumente conhecida como Diretiva de Plásticos de Utilização Única (Single-Use Plastic Directive).

Os principais objetivos desta diretiva são “prevenir e reduzir o impacto de determinados produtos de plástico no ambiente, mais particularmente no meio aquático, e na saúde humana, bem como promover a transição para uma economia circular com modelos de negócio, produtos e materiais inovadores e sustentáveis, contribuindo assim igualmente para o funcionamento eficiente do mercado interno“.

Os principais produtos referidos na Diretriz são recipientes para alimentos e bebidas, copos para bebidas, talheres, pratos, palhas, cotonetes e outros produtos, inclusivé materiais plásticos usados ​​em cosméticos (mais informações no post anterior).

Os requisitos de marcação referidos no artigo 7.º da Directiva são particularmente relevantes para os cosméticos e produtos de higiene pessoal. O Artigo 7 afirma que “cada um dos produtos de plástico de utilização única enumerados na parte D do anexo que seja colocado no mercado ostente na sua embalagem ou no próprio produto uma marcação visível, claramente legível e indelével” (sobre a presença de plástico no produto e consequente impacto ambiental negativo e sobre as opções adequadas de gestão de resíduos. É proibido colocar produtos cosméticos feitos de plástico oxodegradável no mercado da UE. Além disso, os toalhetes húmidos devem seguir as especificações de marcação estabelecidas no Regulamento de Execução (UE) 2020/2151 da Comissão.

A ECHA já propôs em 2019 uma ampla restrição ao uso intencional de microplásticos colocados no mercado da UE/EEE (produtos de uso profissional ou de consumo) para evitar ou reduzir sua libertação no ambiente. Esta proposta de restrição foi desenvolvida no contexto da Estratégia da UE para os Plásticos, que “visa a economia circular e contribui para alcançar em 2030 os objetivos de desenvolvimento sustentável, os compromissos climáticos globais e os objetivos da política industrial da UE”.

O Comité de Avaliação de Risco (RAC – Committee for Risk Assessment) da ECHA apoiou a restrição proposta relativa aos microplásticos, mas recomendou critérios mais rigorosos para polímeros biodegradáveis. A validação final do Parlamento Europeu está prevista para o primeiro semestre de 2022 e serão concedidos períodos de transição, de acordo com o tipo de produto: produtos enxaguados; produtos não enxaguados; produtos de maquilhagem, vernizes e batons. Este último grupo de produtos é considerado de menor impacto ambiental, portanto, espera-se que seja concedido um período de transição mais longo.

REGULAMENTOS DOS ESTADOS-MEMBROS DA UE SOBRE MICROPLÁSTICOS

As micropérolas em produtos destinados a serem enxaguados são uma grande preocupação devido ao seu impacto no meio ambiente. Vários Estados-Membros da UE publicaram legislações/regulamentos no sentido de restringir/proibir alguns tipos de microplásticos em cosméticos (como as microesferas). Em resposta a isto, as empresas de cosméticos estão a optar cada vez mais por alternativas naturais.

De acordo com a Constituição Portuguesa, “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender” (Artigo 66). Cabe ao Estado assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e participação dos cidadãos. A regulamentação relativa à gestão de resíduos de plástico foi promulgada pelo governo Português nos últimos anos.

À semelhança do que está a acontecer noutros países da UE e países terceiros, Portugal começa também a implementar restrições à utilização de microplásticos em cosméticos e outros produtos. O Conselho de Ministros aprovou um novo decreto-lei que proíbe a colocação no mercado de produtos cosméticos e detergentes que contenham microesferas plásticas adicionadas intencionalmente, em concentração igual ou superior a 0,01% do peso.

A Holanda foi o primeiro país a introduzir a proibição da importação, fabrico e venda de microesferas em produtos cosméticos (2014). Em 2017, foi publicado um decreto em França, proibindo o uso de partículas sólidas de plástico (microesferas) em produtos cosméticos de limpeza e esfoliação com enxaguamento, com efeito a partir de 2018. Desde 2020, os cotonetes de plástico são também proibidos.

Na Suécia, desde 2018 que é proibida a venda de produtos cosméticos contendo microesferas de plástico em produtos que são enxaguados ou retirados após o uso na pele, cabelo, membranas mucosas ou dentes (por exemplo, esfoliantes corporais, sabonetes, champô, condicionador e pasta de dente). O regulamento aplica-se a microesferas de plástico em fase sólida, com dimensão inferior a 5 milímetros (em qualquer dimensão, incluindo dimensão nano) e que sejam insolúveis em água. No entanto, se os produtos forem fabricados usando polímeros de ocorrência natural como matéria-prima, que rapidamente se degradam em monómeros em ambiente aquático e não apresentam risco de danos aos organismos aquáticos, estes podem candidatar-se a uma exceção.

PERSPECTIVA GLOBAL SOBRE USO DE MICROPLÁSTICOS

Em 2018, a proibição de fabrico de produtos que contivessem microesferas entrou em vigor no Reino Unido (UK). Desde então, as microesferas de plástico não podem mais ser utilizadas em cosméticos e de produtos de cuidado pessoal enxaguados.

Este tipo de restrições e proibições não acontecem apenas na Europa. Na verdade, em 2020, a China proibiu o uso de microesferas em cosméticos e produtos de higiene pessoal (ver post anterior). Em 2017, o antigo Ministério de Proteção Ambiental da China (agora Ministério da Ecologia e Meio Ambiente) listou as microesferas como produtos de alta poluição e alto risco ambiental. Em janeiro de 2020, a NDRC (Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China) e o Ministério da Ecologia e Meio Ambiente emitiram o Aviso nº 80 “Opiniões sobre o fortalecimento do controlo da poluição por plásticos”, com o objetivo de proibir o uso de microesferas em produtos cosméticos e de cuidado pessoal. A proibição aplica-se a produtos enxaguados destinados a esfregar, esfoliar e outros fins (por exemplo, champô, gel de banho, esfoliantes, produtos de limpeza, etc.) e também a produtos dentifrícos (pastas, elixires) que contenham partículas de plástico de tamanho inferior a 5 milímetros adicionadas intencionalmente.

Nos Estados Unidos, o Microbead-Free Waters Act de 2015 proíbe o fabrico, embalamento e distribuição de produtos cosméticos enxaguados que contenham microesferas de plástico (adicionadas intencionalmente). Esta lei também se aplica a produtos que são simultaneamente cosméticos e medicamentos de venda livre (OTC – Over-The-Counter) (por exemplo, pastas de dentes). De acordo com este regulamento, micropérola de plástico é definida como “qualquer partícula sólida de plástico com 5 milímetros ou menos de tamanho e que se destina a ser usada para esfoliar ou limpar o corpo ou qualquer parte do corpo”.

Em 2015, as microesferas (definidas como microesferas de plástico com tamanho igual ou inferior a 5 milímetros) foram adicionadas ao Anexo 1 (Schedule 1) do Ato de Proteção Ambiental do Canadá de 1999 (CEPA – Canadian Environmental Protection Act). Portanto, os regulamentos proíbem o fabrico, importação e venda de produtos de higiene pessoal que contenham microesferas de plástico, incluindo cosméticos, medicamentos de venda livre e produtos naturais para a saúde. O Regulamento das Micropérolas em Produtos de Higiene Pessoal (Microbeads in Toiletries Regulation) entrou em vigor em 2018.

Se tiver dúvidas sobre como estas mudanças regulamentares e legislativas podem afetar os seus produtos cosméticos, não hesite em contatar-nos em info@criticalcatalyst.com.

Referências:

  1. Directive (EU) 2019/904 of the European Parliament and of the Council of 5 June 2019 on the reduction of the impact of certain plastic products on the environment – https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32019L0904&from=EN
  2. Scientific committees: EU-wide restriction best way to reduce microplastic pollution. ECHA/PR/20/09. European Chemicals Agency (ECHA). Available from: https://echa.europa.eu/pt/-/scientific-committees-eu-wide-restriction-best-way-to-reduce-microplastic-pollution
  3. World leading microbeads ban comes into force. Press release. Department for Environment, Food & Rural Affairs and the Rt Hon Michael Gove Mp. 2018. Available from: https://www.gov.uk/government/news/world-leading-microbeads-ban-comes-into-force
  4. Governo aprova restrições para detergentes e cosméticos com microplásticos. SIC Noticias. Available from: https://sicnoticias.pt/economia/2021-07-15-Governo-aprova-restricoes-para-detergentes-e-cosmeticos-com-microplasticos-45892180

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